Vasco da Gama e a construção de um futebol que enfrentou a exclusão quando incluir ainda era visto como desafio
O futebol brasileiro de hoje fala, com razão, em diversidade, combate ao racismo e respeito às mulheres. Mas essa consciência não surgiu do nada. Ela foi construída. E, nesse processo, o Vasco da Gama ocupa um lugar singular, não por ter acompanhado a mudança, mas por tê-la iniciado quando quase ninguém ousava fazê-lo.
Desde o início do século XX, o Vasco escolheu caminhar contra a lógica dominante. Em um ambiente marcado por elitismo, exclusões sociais e raciais explícitas, o clube abriu espaço para negros, operários, imigrantes e pobres, assumindo as consequências dessa decisão. Não foi um gesto simbólico. Foi um posicionamento que gerou resistência, boicotes e tentativas formais de afastá-lo das competições.
A resposta veio em 1924, com a Carta Histórica, um documento que ultrapassou o esporte. Após a conquista do Campeonato Carioca com o time conhecido como Camisas Negras, formado majoritariamente por jogadores negros e trabalhadores, o Vasco foi pressionado a excluir 12 atletas para atender às exigências da elite do futebol da época. Ao se recusar a fazê-lo, o clube afirmou que não abriria mão de seus princípios para disputar campeonatos. Ali, o Vasco transformou o futebol em ação social concreta, com impacto que ultrapassou os gramados.

Esse espírito também se manifestou na relação com as mulheres. Em 23 de agosto de 1923, foi fundado o Sport Club Feminino Vasco da Gama, uma das primeiras iniciativas organizadas de futebol feminino no Brasil, em um tempo em que a presença das mulheres no esporte enfrentava preconceito e resistência. Ao apoiar essa prática, o Vasco reconheceu o direito das mulheres de ocupar o campo, o espaço público e o protagonismo esportivo, décadas antes de qualquer reconhecimento institucional.

A própria identidade simbólica do clube carrega essa história. A casaca, que virou apelido, grito de guerra e marca cultural. Segundo alguns contam, operários, negros e trabalhadores que entravam em campo vestindo a casaca desafiavam o imaginário elitista do esporte. O grito ecoado nas arquibancadas, Casaca, casaca, não era apenas incentivo. Era afirmação de pertencimento.
Nada disso aconteceu sem custo. O Vasco enfrentou isolamento, perseguições e dificuldades estruturais por sustentar esse caminho. Ainda assim, manteve sua escolha. É justamente por isso que, hoje, quando o futebol brasileiro fala em inclusão, diversidade e respeito, muitos dos valores celebrados encontram no Vasco não um exemplo recente, mas um ponto de origem.

O clube não foi perfeito, nem está acima de críticas. Mas sua trajetória mostra que o futebol pode ser mais do que resultado, mais do que troféu, mais do que espetáculo. Pode ser memória, posicionamento e construção coletiva.
Ao reescrever sua própria história, o Vasco da Gama ajudou a reescrever a do futebol brasileiro e deixou um legado que continua a desafiar o presente.







